Infernizar a vida do fumante é mau método para
fazê-lo deixar de fumar. Ele é o primeiro a reconhecer os malefícios do fumo e
só não larga porque não consegue: a nicotina provoca a dependência química mais
feroz de todas as drogas.
As pessoas, conscientes do sofrimento que o cigarro
traz, ficam desesperadas para convencer familiares e amigos a abandonar o
vício. Nós, médicos, muitas vezes fazemos o mesmo com os pacientes que nos
procuram.
No caso da dependência de nicotina, esse desespero
para livrar pessoas queridas do sofrimento que o fumo lhes causará é, com
frequência, contraproducente. Cometi esse erro com meu pai, com meu irmão e com
inúmeros pacientes até conhecer mais sobre as fases que todo fumante atravessa
durante o doloroso processo que o conduz a livrar-se da nicotina.
Existem cinco fases:
1)
Fase de pré-contemplação: nela,
o fumante jura que consegue largar a hora que quiser; se não o faz
imediatamente, é porque não tem vontade. Afirma que o fumo não faz tanto mal
quanto apregoam, que sua saúde nada fica a dever à de muitos que nunca fumaram
e que o tio fumou cigarro sem filtro até os 80 anos e morreu atropelado.
Nessa fase, a intervenção deve ser ocasional,
limitada a chamar a atenção para as vantagens da abstinência: melhora do
hálito, do fôlego, do sabor dos alimentos, etc. Talvez caiba aqui uma adaptação
do lema dos Alcoólicos Anônimos: “Se você quer fumar, o problema é seu. Se
quiser largar, posso ajudar”. Não esquecer que o dependente precisa de apoio;
condenações são ineficazes.
2)
Fase de contemplação: ele chegou à conclusão de que
precisa largar, mas hesita em marcar data para fazê-lo. No íntimo, não consegue
imaginar a vida sem a droga. Vive dominado por sentimentos de autocomiseração:
“Pobre de mim, nunca mais um cigarrinho! Nem depois do café? Nem do copo de
cerveja? E se eu engordar e ficar horrível?”.
Nesse estágio, determinação e covardia se alternam
em ciclos. Seria o momento ideal para encaminhar o fumante aos grupos de apoio,
não fossem eles tão raros entre nós.
A essa altura, se o médico quiser ajudar, é
prudente medir as palavras. O melhor é exaltar as vantagens da vida sem fumar e
discutir os métodos existentes para enfrentar a síndrome de abstinência de
nicotina, mas com cautela. A fase de contemplação não é adequada para submeter
ninguém a discursos antitabagistas nem prescrições de medicamentos ou de
adesivos de nicotina.
3)
Fase de ação: começa
quando o fumante marcou data para o último cigarro. É o momento em que ele mais
precisa da ajuda dos familiares, dos amigos e de um médico com experiência na
área, se possível. Deles, espera-se a sabedoria de oferecer apoio irrestrito à
decisão, mas deixar claro que, em caso de desistência, não agirão de forma
reprovativa. Nada desencoraja mais o fumante de tentar parar do que o medo do
fracasso.
Durante esse estágio, adesivos de nicotina ou a
bupropiona, medicamento que reduz a ansiedade provocada pela síndrome de
abstinência, podem ser muito úteis.
4)
Fase de manutenção: aqui
é importante estimular o ex-fumante a apregoar sua nova condição para os amigos.
É durante a manutenção que o ex-fumante tratado com adesivos ou bupropiona
deixa de usá-los; daí em diante é por conta dele.
A maioria dos que largaram de fumar concorda
que, depois de seis meses, o sofrimento praticamente desaparece. De fato,
grande parte das desistências acontece nesse período.
5)
Recidiva: diversos
estudos mostram que a maior parte dos fumantes só consegue ficar livre da
dependência depois de três ou quatro tentativas. Quando a pessoa volta a fumar,
é fundamental reconhecer para qual das fases anteriores regrediu. Se retornou à
fase pré-contemplativa, por exemplo, não adianta vir com ladainha para
convencê-la a largar de novo. Nada destrói mais a autoestima de alguém quanto
voltar a fumar depois de meses ou anos de abstinência.
Recriminações não lhes fazem falta. Se quisermos
ajudá-los, devemos dizer-lhes que fracassar diante da nicotina não é
humilhação. Humilhante é não reagir contra a dependência que ela provoca.
Fonte: Dr Drauzio Varella
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